Como ser um bom professor - os dez mandamentos de George Pólya

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Oct 2, 2016
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Filosofia
Ensino
Educação
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Conheça a perspectiva do importante matemático George Pólya sobre a nobre arte de ser professor.
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George Pólya (1887 + 98 = 1985), natural de Budapeste, Hungria. Lecionou no ETH Zürich de 1914 a 1940 e, em seguida, na prestigiada Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, até 1953. Em diversas áreas da matemática, tais como séries, teoria dos números, análise, geometria, álgebra, combinatória e probabilidade, seu legado permanece referência.
Contudo, são suas ideias sobre o ensino da Matemática que ressoam mundialmente: dez princípios expressos com a franqueza de “mandamentos”, condensados em artigo de 1959, publicado no Journal of Education da Universidade de British Columbia (Vancouver/Victoria), p. 61–69.

Foto: George Pólya (Antes de 1935).Foto: George Pólya (Antes de 1935).
Foto: George Pólya (Antes de 1935).

Os Dez Mandamentos para Professores

Por George Pólya (1959)
Nos últimos cinco períodos letivos, todas as minhas aulas foram dirigidas a professores secundários que, após alguns anos de prática, voltaram à Universidade para mais treinamento.
Eles desejavam, segundo entendi, um curso que fosse de uso prático imediato nas suas tarefas diárias.
Tentei planejar um tal curso no qual, inevitavelmente, eu teria de expressar repetidas vezes minhas opiniões sobre o dia-a-dia do professor.
Meus comentários foram aos poucos assumindo uma forma condensada e finalmente fui levado a enunciá-los como dez regras, ou mandamentos.
Para tornar claro o significado dos mandamentos deveria ter acrescentado exemplos ilustrativos mas, em vista da exiguidade de espaço, isso ficou fora de cogitação.
Alguns pontos são ilustrados em meus livros (1), e outros serão discutidos noutro livro ao qual este artigo, ou seu conteúdo sob outra forma, será incorporado.

1. Tenha interesse pela sua matéria

É muito difícil prever com segurança o sucesso ou fracasso de um método de ensino. Mas há uma exceção: você aborrecerá a audiência com sua matéria se esta matéria o aborrece. Isto deve ser suficiente para tornar evidente o primeiro e principal dos mandamentos do professor.

2. Conheça profundamente sua matéria

Se um assunto não interessa o professor, ele não será capaz de ensiná-lo aceitavelmente.
Interesse é sine qua non, uma condição indispensavelmente necessária, mas, em si mesma, não uma condição suficiente.
Nenhuma quantidade de interesse, ou de métodos de ensino, permitirá que você explique claramente um ponto a seus alunos se você próprio não entender mais claramente ainda esse ponto.

3. Leia o semblante dos alunos

Procure ler o semplante dos seus alunos. Procure enxergar suas expectativas e suas dificuldades. Ponha-se no lugar deles.
Mesmo com algum conhecimento e interesse, você pode ser um bom professor ou um bem mediocre. O caso não é muito comum, admito, mas tampouco é raro. Muitos de nós conheceram professores que sabiam suas matérias mas não eram capazes de estabelecaer “contato” com os seus alunos.
Para que o ensinar, por parte de um, resulte no aprender, por parte de outro, deve haver uma espécie de “contato” ou “conexão” entre professor e aluno: o professor deve ser capaz de perceber a posição do aluno; ele deve ser capaz de assumir a causa do aluno.

4. Valorize a descoberta ativa

Compreenda que a melhor maneira de aprender alguma coisa é descobri-la você mesmo.
As três regras anteriores contêm a essência do bom ensino; elas formam, juntas, uma espécie de condição necessária suficiente. Se você tem interesse e conhecimento, e é capaz de perceber o ponto de vista do aluno, você já é um bom professor ou logo se tornará um; só precisa de experiência.
Experiência é necessária. Experiência prática para colocá-lo a par das interações entre professor e alunos na sala de aula, e para familiarizá-lo, tão intimamente e pessoalmente quanto possível, com o processo de aquisição de novas informações e habilidades. Um processo que tem muitos e vários aspectos: aprendizagem, descoberta, invenção e compreensão... 
Os psicólogos fizeram trabalhos experimentais muito importantes e emitiram algumas opiniões teóricas interessantes sobre o processo de aprendizagem. Tais experiências e opiniões podem servir como uma base estimulantes para um professor excepcionalmente receptivo, mas elas ainda não amadureceram suficientemente (e não amadurecerão por um bom tempo, temo eu) para ser de uso imediatamente prático naquelas fases de instrução que nos concernem aqui.
Em seu trabalho diário, o professor deve basear-se, primeiro e antes de tudo, na sua própria experiência e no seu próprio julgamento. Baseando-me em meio século de experiência em pesquisa e ensino, e de reflexão muito cuidadosa, apresento aqui, para consideração do leitor, alguns pontos sobre o processo de aprendizagem, os quais eu considero como os mais importantes para uso em sala de aula.
Já se disse repetidas vezes que a aprendizagem ativa é preferível à aprendizagem passiva, meramente receptiva. Quanto mais ativa, melhor é a aprendizagem.
De fato, numa situação ideal, o professor seria somente uma espécie de “parteira espiritual” (maiêutica socrática). Ele daria oportunidade aos alunos de descobrirem por si mesmos as coisas a serem aprendidas.
Este ideal é dificilmente alcançado na prática, sobretudo por falta de tempo. Contudo, mesmo um ideal inatingível pode guiar-nos indicando a direção correta. Ninguém ainda atingiu a Estrela Polar, mas muitas pessoas encontraram o rumo certo guiando-se por ela.

5. Ensine know-how, não apenas informação

Dê aos seus alunos não apenas informações, mas know-how, atitudes mentais, o hábito de trabalho metódico.
O conhecimento consiste em parte de informação e em parte de know-howKnow-how é destreza; é a habilidade em lidar com informações, usá-las para um dado propósito; know-how pode ser descrito como um apanhado de atitude mentais apropriadas, know-how é em última análise a habilidade para trabalhar metodicamente.
💡
Faça-os aprender a dar palpites. Faça-os aprender a demonstrar.
Em Matemática, know-how é a habilidade para resolver problemas, construir demonstrações, e examinar criticamente soluções e demonstrações. E, em Matemática, know-how é muito mais importante do que a mera posse de informações. Já que know-how é mais importante em Matemática do que informação, a maneira como você ensina pode ser mais importante nas aulas de Matemática do que aquilo que você ensina.

6. Estimule conjecturas

Faça-os aprenderem a dar palpites. Primeiro conjecture, depois prove. Assim procede a descoberta na maioria dos casos.
Você deveria saber disto (pela sua própria experiência, se possível) e deveria saber, também, que o professor de Matemática tem excelentes oportunidades de mostrar o papel da conjectura no processo de descoberta e assim imprimir em seus alunos uma atitude mental fundamentalmente importante.
Este último ponto não é tão amplamente conhecido como deveria ser e, infelizmente, o espaço aqui disponível é insuficiente para discuti-lo em detalhes (1). Ainda assim, desejo que você insista com seus alunos a respeito.
Alunos ignorantes e descuidados provavelmente vão dar palpites rudimentares. Os palpites que nós queremos estimular, naturalmente; não são os rudimentares, mas os educados, os razoáveis. Palpites razoáveis baseiam-se no uso judicioso de evidência indutiva da analogia, e englobam em última análise todos os procedimentos do raciocínio plausível que desempenham um papel no método científico (1).

7. Ensine a demonstrar

"A Matemática é uma boa escola para o raciocínio plausível".
Esta afirmativa resume a opinião subjacente à regra anterior; ela soa incomum e é de origem muito recente; na realidade, o autor do presente artigo reivindica seu crédito.
Faça-os aprenderem a demonstrar. Esta afirmativa soa bem familiar; algumas formas dela são provavelmente quase tão velhas quanto a própria Matemática. De fato, muito mais é verdade; Matemática tem quase o mesmo significado que o raciocínio demonstrativo, o qual está presente nas Ciências na medida em que os seus conceitos se elevam a um nível lógico-matemático suficientemente abstrato e definido.
Abaixo deste alto nível, não há lugar para raciocínio verdadeiramente demonstrativo (o qual não tem lugar, por exemplo, nas tarefas do dia-a-dia). Ainda assim (é desnecessário discutir-se tal ponto, tão amplamente aceito) os professores de Matemática devem colocar os seus alunos, salvo os das classes mais elementares, em contato com o raciocínio demonstrativo.

8. Revele modelos gerais

Busque, no problema que está abordando, aspectos que possam ser úteis nos problemas que virão. Procure descobrir o modelo geral que está por trás da presente situação concreta.
Know-how é a parte mais valiosa do conhecimento matemático, muito mais valiosa que a mera posse de informação. Mas como devemos ensinar know-how?
Bom, os alunos só podem aprendê-lo através de imitação e prática. Quando você apresentar a solução de um problema, enfatize convenientemente os aspectos instrutivos da solução.
Um aspecto é instrutivo se merece imitação; isto é, se puder ser usado não somente na solução do presente problema, mas também na solução de outros problemas. Quanto mais puder ser usado, mais instrutivo.
Enfatize os aspectos instrutivos não somente louvando-os (o que poderia causar efeito contrário em alguns alunos), mas através de seu comportamento (um pouco de dramatização é muito bom se você tiver uma pontinha de talento).
Um aspecto bem enfatizado pode converter a sua solução numa solução modelo, num padrão marcante; imitando-o, os alunos resolverão muitos outros problemas.

9. Não entregue tudo mastigado

Não desvende o segredo de uma vez, deixe os alunos darem palpites antes, na medida do possível. Eu gostaria de indicar aqui um pequeno truque que é fácil de aprender e que todo professor deveria conhecer.
Quando você começar a discutir um problema, deixe que seus alunos adivinhem a solução. O aluno que concebeu um palpite, ou mesmo que tenha anunciado seu palpite, empenha-se: ele tem que seguir o desenvolvimento da solução para ver se o seu palpite estava certou ou não.
Ele não pode permanecer desatento. Este é um caso muito especial da regra seguinte, que tem pontos em comum com as regras 4 e 6: Não desvende o segredo de uma vez ─ deixe os alunos darem palpites antes ─ deixe-os descobrir por si próprios, na medida do possível.
💡
[...] deixe-os descobrir por si próprios, na medida do possível. [...] não os faça engolir à força.

10. Sugira, não imponha

Um aluno apresenta um longo cálculo que ocupa várias linhas. Olhando para a última linha, vejo que o cálculo está errado, mas me abstenho de dizer isso.
Prefiro acompanhar o cálculo com o aluno, linha por linha: "você começou bem; sua primeira linha está correta. A linha seguinte também está correta, você fez isto e aquilo. A próxima linha está boa. Agora, o que você acha desta linha?"
O engano está naquela linha e, se o aluno descobre o erro por si mesmo, ele tem uma chance de aprender algo. Se, no entanto, digo logo "Isto está errado", o aluno poderá se ofender e aí não ouvirá o que eu possa dizer depois. E se digo "Isto está errado" a todo instante, o aluno poderá odiar a mim e à Matemática, e todos os meus esforços estarão perdidos em relação a ele.
Se você procede assim, você não é hipócrita, você é somente humano. Que você deve proceder assim, está implicitamente contido na regra 4. Assim, nós podemos tornar o conselho mais explicito: sugira; não os faça engolir à força.

Referências bibliográficas

  1. PÓLYA, George. Mathematics and Plausible Reasoning. Princeton University Press: Princeton, New Jersey. 1954.
  1. LIMA, Elon de Lages. Os Dez Mandamentos para Professores. Sociedade Brasileira de Matemática.

E você, o que pensa sobre esses mandamentos? Tem em mente outras práticas valiosas ou experiências pessoais que possam enriquecer este diálogo? Deixe aqui seu comentário e vamos construir, juntos, uma comunidade de educadores cada vez mais inspirada!
 
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