Catarse da inexistência

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Jun 6, 2025
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Arte
Poesia
Caraumã
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Poema sobre a ausência do ser e a esperança de renascer em luz, um lamento existencial entre o nada e o silêncio.
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Catarse da inexistência

Eu não existo mais. Fui o lápis que riscou o fim da linha, O traço cinzento que se fez silêncio, Matéria extinta no papel da vida. Um dia fui pincel, cores, mãos e movimento. Não sou mais nem tela, nem moldura, Nem lembrança do que fui ante o firmamento. Nem pintura, nem desenho, Nem estudo, nem saber. Não há em mim mais inteligência; Houve um tolo a se perder. Já não erro, nem acerto, Sou ausência de querer, Sou o silêncio após o grito, Eco que se cala, parou de responder. Fui barqueiro, um filho da travessia, Levava, às vezes, o bem, outras o mal Que em ti viviam. Hoje, sem remo, Sem barco, sem rio, Sem margem, sem o outro lado. Já não há, tampouco, uma voz no rádio, Nem ouvido a me escutar. Sem conselhos, nunca fui ouvido, nem visto, Fui palavra, fui abrigo… Mas já não sou, nem mesmo o ignorar. Sou a face que sentiu a brisa Na quentura do vento sob a grama que partiu, A folha que esqueceu de balançar no pé de manga. Sou o nada onde o tudo se escafedeu. Eu não existo mais. Nem sonho, nem sonhador, Nem começo, nem meio, nem fim. Sem tristeza ou felicidade, Nem saudade de alguém, nem de mim. Sou o rastro da lágrima que secou No lenço que ninguém nunca usou, E que não será lembrada. Sou a luz breve, na ponta da vela, No último pulsar, antes que o sermão Engula o choro do fiel no altar. Mas, se me apaguei, Que eu renasça sutil Na aurora de um olhar, No horizonte de um talvez, No sono de quem, dormindo, Ainda crê poder sonhar. Que eu nasça no silêncio, Que eu cresça na luz, Como uma semente, Tal qual uma planta, Qualquer ser vivente. E, quem sabe, Quando a luz desse clarão vier, Eu seja apenas uma chispa Que o espírito em vida desperta. Pois, eu já não existo mais. Já se foram a flauta, a dançante, A canção, a melodia e o tocador. Nos palcos empoeirados da sala da mente, Nem estudo, nem memória, Nem vontade, nem glória. Restou ausência em forma de passado, Uma voz que não se escuta, Nas ruas dessa cidade. Restou só uma garça negra, Salpicada de estrelas brancas, A última a largar o pântano, Antes da tempestade, E a primeira que para lá retorna, Quando a chuva passa. Sou a luz que ninguém viu, De uma estrela torta, cálida, ainda que pálida. E de brilho efêmero da cor de um instante Antes de amanhecer e ceder lugar ao sol. O último pulso de claridade do escuro, Antes de se apagar, e renascer. Outra vez, mais uma vez, menos uma vez. Quem sabe no horizonte, A sonhar um dia, talvez, Em ser tocado, Pelo calor do sol Como a última vez.
~ J. Caraumã. Reflexões em 06 de julho de 2025.
 
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