Como seria ser amado?
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Aug 15, 2025
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Arte
Poesia
Caraumã
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Às vezes me sinto sozinho e me pergunto, como seria ser amado?
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Olá, obrigado por estar aqui hoje.
Nas correrias do dia a dia, às vezes me pego com pensamentos suspeitos. E ainda que não o desejemos, são verdadeiros em nós, e sabemos disso.
Em particular, falo aqui sobre a solidão diante do se sentir amado, e que é algo que sempre me acompanhou, não por falta de amizades saudáveis, nem por escassez de vida social, nem por falta de amor-próprio ou qualquer significado.
Mas pela simples e genuína solidão diante das coisas simples da vida.
A solidão que não se pode encontrar em livros de autoajuda, tampouco se cura com abraços bem intencionados, delírios de autoconhecimento ou com a multiplicação de rostos conhecidos ao nosso redor. É uma solidão ontológica, visceral, que nasce no exato instante em que percebemos nossa condição de seres conscientes a navegar num universo desconhecido, mas que habitamos com uma intensidade desconcertante.
Claro, não falo de melancolia romântica que adorna salões literários, nem da solidão performática que se exibe em redes sociais como uma medalha de sensibilidade. Falo aqui daquela solidão crua que nos visita nos intervalos de silêncio do cotidiano.
Como quando a conversa pausa e, por um segundo eterno, sentimos o abismo entre nossa experiência interior e a de todos os outros. Ou quando, deitados, olhamos para o teto (com estrelas ou não) e reconhecemos que, mesmo cercados de amor, carregamos em nós um núcleo intransferível de existência que nenhum semelhante pode tocar.
É nessa solidão que descobrimos uma sensação paradoxal. Talvez nós nos sintamos verdadeiramente amados quando estamos no ato de amar. Digo, não como uma transação comercial da alma, mas como uma revelação de que amar e ser amado são movimentos de uma mesma sinfonia cósmica, como a melodia que só é possível com notas alternadas de silêncios. E no silêncio o sinal de ser amado.
E quando privilegiamos apenas um lado dessa equação, criamos os fantasmas que nos assombram, o ego que se alimenta de adoração alheia ou o vazio disfarçado de plenitude, ambos rostos de uma mesma fome existencial.
Em outras palavras, confesso que às vezes penso que só nos sentimos verdadeiramente amados enquanto amamos. Mas não leia isso como conclusão ou sentença ruim. Pense nela como uma condição: amar e sentir-se amado sustentam-se mutuamente.
Como então conciliar o amor universal, muitas vezes silencioso, com a particularidade de nossos afetos cotidianos, quase sempre barulhentos? Como abraçar a todos sem diluir a intensidade do que sentimos por aqueles que escolhemos carregar no peito?
Talvez a resposta esteja em compreender que o amor não é um recurso limitado que se esgota na distribuição ou na não correspondência, mas uma frequência que sintonizamos quando paramos de tentar retê-lo em nossas mãos.
O amor, contudo, está em toda parte, como o oceano que envolve o peixe, tão natural quanto a própria vida, como o ar que respiramos sem pensar, como a gravidade que nos mantém firmes na Terra sem que precisemos agradecer. Mas estar imerso nele não significa automaticamente saber nadar em suas correntes. É preciso aprender a soltar-se, a deixar que ele nos atravesse sem tentar controlá-lo ou direcioná-lo.
Lembro-me, então, de alguém que parecia conhecer intimamente essa geografia do amor, o profeta de Gibran para Almitra:
“Quando amardes, não digais - Deus está no meu coração, mas antes - Eu estou no coração de Deus.”
Estar no coração de Deus, amar e ser amado: talvez sejam só um único movimento.
E ao se entregar a esse movimento, navegamos no espaço sagrado onde reconhecemos nosso domínio a algo infinitamente maior que nossa pequena e preciosa existência individual. É ali, nesse reconhecimento, que nasce uma boa companhia, que nos ensina a linguagem secreta que nos conecta a tudo que existe.
Bom, com esse pensamento em mente, eis que surgiu o poeminha abaixo, como flores selvagens que crescem nas frestas do concreto urbano de nossa condição humana.
Espero que seja uma boa leitura.
Como seria ser amado?
Será que é um pouco Como a chuva fina, Que cai devagarinho Sem fazer barulho E vai molhando a alma? Ou como quando o coração, Sem se dar conta, Passa a falar mais baixo Pra ouvir o próprio riso? Como se, ao se olhar no espelho, A gente visse uma lágrima, E escorre de lá, De algum lugar da saudade? Ou como quem caminha Oferecendo flores, E, sem perceber, Segue com espinhos nas mãos? Talvez seja como um gato A cochilar sob o sol, Que não conhece as horas, Só conhece a dádiva da luz? Ou como se chovesse na alma, Florescer após o inverno, Alegrar-se na colheita, Despir-se das folhas E ser semente? Até que, de repente, A gente descubra Que já está inteiro Dentro de si? Como quando um abraço É sinônimo de se aquecer por dentro, E iluminar quem passa, Sem se dar conta, distraído? Mas não sei como é ser amado. E às vezes me sinto sozinho, Uma nota só no meio da música, Um intervalo de silêncio na melodia. Mas sei que quando amo, Meu coração se aquieta, como um gato ao sol, E aí me parece que sou muito amado. Quando não, choro a dor alheia, A minha própria dor é essa, uma ilusão. E sem saber quem sou. Vou com um sorriso leve, Uma lágrima sincera, sem destino, E um abraço quente de coração.
~ por J. Caraumã. Reflexões em 15 de agosto de 2025.