Natal lavradeiro

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Dec 24, 2025
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Arte
Poesia
Caraumã
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Poema no silêncio de Cruviana sob o lavrado, onde o vento é a reza e o cerrado é um altar, os espíritos da noite, filhos de Macunaíma, tecem a aurora que há de chegar.
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Foto: “Lavrado Roraimense - Buritis, fotografia de Marcelo Seixas. Fonte: Flickr.Foto: “Lavrado Roraimense - Buritis, fotografia de Marcelo Seixas. Fonte: Flickr.
Foto: “Lavrado Roraimense - Buritis, fotografia de Marcelo Seixas. Fonte: Flickr.

Natal Lavradeiro

No silêncio de Cruviana sob o lavrado, onde o vento é a reza e o cerrado é um altar, os espíritos da noite, filhos de Macunaíma, tecem a aurora que há de chegar. Esse céu laranja, manto de Iamândê, aguarda atenta o primeiro alento do menino fogo, enquanto Iara, nos igarapés, bebe seu próprio manto, e mata a sede do mato, plena de vida, caititu e cairerê. É no útero escuro do mundo, sob a palma do murici e o suspiro do maracá, que a terra grávida de estrelas contrai seu ventre de pedra, e um pranto sagrado e forte nascido na Serra-Grande se ouvirá. O quarto rei mago do oriente encontrou Mucajaí, os caminhos conhecidos do espírito da mata e do pajé, que dança agora sob a luz da lua o parixara e continua a cantar a saga dos Warraus, navegantes das savanas, que ouviram do colibri a mensagem do oceano antes de qualquer outro. Ó, noite de Roraima, maternal e quente, berço de um sol que ainda é mito nos confins, teu seio de escuridão parirá a luz, flor furiosa, El-Dorado que rompe grilhões de fios tênues. E teu menino de palha, raízes e fulgor, bucho cheio de açaí, de buriti, erguerá teu grito claro, brando, uivo do vento, para despertar as anhumas e os sonhos dos cavalos selvagens que pulam alegres nos rios da memória desses veios de ouro. O lavrado, agora, é manjedoura de horizontes, e o boiadeiro, vaqueiro, na distância, figura valente, cristão, seu chapéu é a coroa deste reino sem rei, seu rebanho, as nuvens que pastam na alma. A natividade brota neste instante, pausa no tempo, grande hipérbato, entre a treva e o verbo, quando o mundo prende a respiração do barro, e ouve o canto do uirapuru, do galo da serra, esturro de onça, oco das árvores, cachoeira do bem-querer. E ei-lo que nasce no peito aberto da serra, fenda luminosa de malacacheta, serra da lua, o sol-menino, Yanomami avindo do céu, pintado de urucum e braveza, sua primeira flecha é a madrugada nua. Todo o diamante de Manoa e dos itaobas se derrete na pedra pintada, escorre com Parima seu beijo de cristal e cerração, e de dia, recém-nascido, mama no orvalho das noites leite de pedra e da criação. É um natal sem sinos, apenas o estalo da semente do caimbé no fogo a se espalhar, multiplicar, flor doce de abelha sem ferrão, enfeite de casamento da raposa, decorado com folhas secas, e o caminhar do estrangeiro, rumor do rio Branco, entre ilhas e areias, a celebração da luz sobre a terra quente, sol a pino, e cada ser, que sente no rosto o mesmo calor, é pastor de si, é também livre animal, a contemplar, no lavrado infinito, o próprio nascimento, na maloca do mel, perto do rio de leite entre o bem e o mal.
por J. Caraumã. Poema de “Reflexões” em 24 de dezembro de 2025.
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